CRÍTICA | CORINGA – DELÍRIO À DOIS

Quando um filme prova que a sua existência é completamente irrelevante

Quando surgiu a notícia de que o premiado, aclamado e odiado Coringa (2019), de Todd Phillips, teria uma sequência usando uma nova roupagem, uma continuação que propunha construir uma nova história se utilizando do gênero musical e trazendo Lady Gaga para interpretar a icônica Arlequina, todos foram pegos de surpresa, já que ninguém imaginava que isso poderia acontecer.

Isso se deu principalmente pelo fato de que “Coringa: Delírio a Dois” é um “filme musical”, e no cenário em que vivemos na Indústria, é de extrema coragem artística essa concepção porque a maioria do público não gosta do gênero, e é bastante triste observar que um dos principais conceitos do que significa o cinema ser ainda sim tão desprezado pelo público, já que a fantasia em si vive uma sabotagem por Hollywood que se soma em parte com a comunidade cinéfila.

Em “Coringa” (2019), a música fazia parte do núcleo narrativo de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), visto que isto era uma “escape” para o personagem fugir das atrocidades do mundo. Então, a sequência busca conduzir esse elemento para expandir seu aspecto tragicômico e os primeiros minutos parecem ser uma espécie de “Um Estranho no Ninho” (1975) só que fosse um musical, e a influência desse longa é evidente, com quando Fleck usa roupas parecidas com as do personagem de Jack Nicholson, e o Asilo Arkham é retratado como sendo um inferno para os pacientes e temos a figura do guarda opressor interpretado pelo excelente Brendan Gleeson (Extermínio). Entretanto, todas as referências que o diretor demonstra reverenciar não conseguem salvar a experiência de 2 horas e 19 minutos, a tornando completamente vazia.

“Delírio a Dois” é um longa que não se decide sobre o que é, se é um drama de estudo de personagem – igual o primeiro – ou é um musical, mas no final da experiência, a obra não consegue se sustentar em nenhuma das ideias propostas que se soma à falta de criatividade em ser ousado, sendo que é perceptível que o cineasta Todd Phillips deseja realmente trazer algo novo, mas durante o desenvolvimento ele se repete em temas e números musicais desconexos. Um exemplo disso é a música “That ‘s Entertainment”, que é usada ao menos três vezes no decorrer da narrativa e começa ficar maçante pela maneira como é utilizada nesses momentos, sendo que existe uma influência dos musicais da Antiga Hollywood ótimos para conceder cenas mais interessantes como base, mas em grande parte elas não tem charme algum.

E, na verdade, o filme em si não tem a inspiração suficiente para ser autoral e vive brigando consigo mesmo para saber como transitar entre o realista e a fantasia, e é exatamente aqui que mora o calcanhar de Aquiles de “Delírio a Dois”, porque ele não tem coragem para se assumir completamente como um musical, pois as cenas acontecem na imaginação do Arthur e essa transição entre os dois mundos acaba por não enriquecer a narrativa, e apenas traz uma confusão para o público, numa sensação de que o gênero foi desperdiçado e não tinha nada para oferecer. Outro fator que precisa ser analisado é como a produção por vezes é um repeteco do seu antecessor, porém em que sentido? Em tudo. Phillips recria planos do primeiro filme para o segundo, repete as temáticas e até o final tem uma construção parecida com o primeiro.

O diretor retorna com o debate para a sequência sobre Arthur Fleck e a persona Coringa, e o começo de “Delírio a Dois” é uma animação com traços dos Looney Tunes com o título: “Eu e minha sombra”, falando justamente sobre essa dualidade do personagem, enquanto Fleck é uma pessoa frágil e depressiva que nunca recebeu amor na vida, sendo que no outro lado temos o Coringa que é a manifestação de sua fantasia para enfrentar a realidade. Ele é adorado por muita gente em Gotham por conta das suas atitudes, e é nessa figura do Coringa que vai despertar o interesse de Lee Quinzel por ele.

O romance de ambos acontece por acaso e vemos o desenrolar dessa relação e como ela afetará diretamente o Arthur Fleck. Lady Gaga é a maior estrela do longa e interpreta a Arlequina com elegância e traz a magia quando contracena algum número musical com Phoenix, mas Gaga é jogada em segundo plano para o longa focar no drama de tribunal, que é extremamente entediante e só serve para resumir o filme anterior para o telespectador que perdeu ou esqueceu de como foi. Portanto, Phillips acaba caindo na própria armadilha da artificialidade e fica no seguro, e no final da experiência, “Delírio a Dois” é igual ao seu protagonista, indeciso em qual personalidade vai assumir para contar sua história.

PS: Este texto foi originalmente escrito por Max Guilherme. Adaptato e corrigido por Lucas Monteiro.

Nota do crítico: 

wp14473296-joker-folie-a-deux-movie-wallpapers

Título: Coringa – Delírio à Dois

Duração: 2h19min

Gênero: Drama, Romance, Ação

Onde Assistir: Cinemas

Sinopse: Em Coringa 2, acompanhamos a sequência do longa sobre Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), que trabalhava como palhaço para uma agência de talentos e precisou lidar desde sempre com seus problemas mentais. Vindo de uma origem familiar complicada, sua personalidade nada convencional o fez ser demitido do emprego, e, numa reação a essa e tantas outras infelicidades em sua vida, ele assumiu uma postura violenta – e se tornou o Coringa. A continuação se passa depois dos acontecimentos do filme de 2019, após ser iniciado um movimento popular contra a elite de Gotham City, revolução esta, que teve o Coringa como seu maior representante. Preso no hospital psiquiátrico de Arkham, ele acaba conhecendo Harleen “Lee” Quinzel (Lady Gaga). A curiosidade mútua acaba se transformando em paixão e obsessão e eles desenvolvem um relacionamento romântico e doentio. Lee e Arthur embarcam em uma desventura alucinada, fervorosa e musical pelo submundo de Gotham City, enquanto o julgamento público d’O Coringa se desenrola, impactando toda a cidade e suas próprias mentes conturbadas.

Últimas publicações

Críticas