Um dos aspectos que faz o cinema de Almodóvar ser especial, é em como ele trabalha a ligação que existe entre seus personagens, e o exemplo disso é a relação de mãe e filho nos seus filmes que são exemplo dessa conexão. Em “O Quarto ao Lado” – seu primeiro filme de língua inglesa – ele fala justamente sobre a temática tão próxima do cineasta: o companheirismo.
No longa conhecemos Ingrid e Martha, que eram amigas próximas na juventude e que trabalhavam juntas numa mesma revista. Ingrid se tornou uma romancista de autoficção, enquanto Martha se tornou uma repórter de guerra, e elas foram separadas pelas circunstâncias da vida. Após anos sem contato, elas se reencontram em uma situação extrema, mas estranhamente doce.
É desse reencontro que uma amizade adormecida, bastante dolorosa, porém carinhosa que Pedro Almodóvar busca achar esperança num mundo trágico em que vivemos e, com isso, o diretor revisita a vida pessoal de Ingrid (Morre) e Martha (Swinton) utilizando flashbacks para dialogar com as feridas do passado e presente de ambas. As jornalistas, contudo, seguiram caminhos diferentes no mundo profissional. Enquanto a personagem de Julianne Moore Os Filhos da Esperança) virou uma best-seller famosa, ela escreve biografias ficcionais, já por outro lado, a Tilda Swinton (As Crônicas de Nárnia) se tornou uma repórter de Guerra, então é uma pessoa que testemunhou várias atrocidades e viu o pior lado da humanidade.
As protagonistas femininas – uma marca registrada do cineasta – possuem visões opostas do mundo e discutem entre si como a vida virou algo indispensável. Isso não está acontecendo por acaso, pois Almodóvar usa essa amizade para dizer: “Olha, o mundo pode estar horrível, porém existem coisas que valem a pena lutar”. É como uma companhia íntima que permite compartilhar a fragilidade e alegria que faz Martha ter confiança com sua amiga, porque ela não se sente julgada por suas ações, é apenas acolhida.
Essa relação vai evoluindo quando Ingrid decide acompanhar Martha em seus últimos momentos, pois está com um câncer terminal. Esse pessimismo que circunda o filme vem dos acontecimentos que causaram um forte trauma na sociedade, como a pandemia, crise climática e o avanço assustador da extrema-direita que revela um medo sobre um futuro tão próximo que talvez muitos de nós não possa sequer existir. É um sentimento que corrói a alma, e não é à toa que Martha e Damien (o personagem de John Turturro) são pessoas céticas e não têm expectativas sobre o amanhã.
Damien entra na trama para aprofundar o desenvolvimento das protagonistas e o personagem serve para ser a encarnação do pessimismo em pessoa – como dito anteriormente -, a produção americana consegue então adaptar a linguagem e estilo de Almodóvar, pois todos os aspectos da sua cinematografia estão presentes e funcionam perfeitamente. Apesar de o planeta estar um caos, a estética do filme produz uma fotografia viva onde os cenários proporcionam harmonia de cores que faz recuperar o encanto que sumiu na terra, e o autor filma lindas composições para demonstrar a solidão de Martha usando cores mais frias. Portanto, volto a mencionar o elemento de Ingrid ser uma romancista no longa, pois ela é virtuosa e usa sua arte para inspirar e fazer seus leitores esquecerem a realidade crua e perceber que podemos ser positivos no meio dessa escuridão.
PS: Este texto foi originalmente escrito por Max Guilherme. Corrigido e adaptado por Lucas Monteiro.
Nota do crítico:
Título: O Quarto ao Lado
Duração: 1h47min
Gênero: Drama, Comédia dramática
Onde Assistir: Cinema
Sinopse: O Quarto ao Lado, longa-metragem dirigido e escrito por Pedro Almodóvar, apresenta as jornalistas Ingrid (Julianne Moore) e Martha (Tilda Swinton), que foram muito amigas na juventude, quando trabalharam juntas na mesma revista, mas que passaram longos anos sem manter contato. Ingrid se tornou escritora de auto ficção, já Martha virou correspondente de guerra, e ambas trilharam carreiras muito bem sucedidas. As circunstâncias da vida e o trabalho desafiador de Martha, acabaram causando um afastamento natural entre as duas. Assim como gerou ressentimentos entre Martha e sua filha: ela nunca perdoou a ausência da mãe, que sempre preferiu se dedicar mais ao trabalho. Até que a descoberta de uma doença terminal, muda completamente a vida da jornalista de guerra, e aproxima novamente as amigas. E em meio a uma situação extrema, de vida e morte, Ingrid e Martha também se veem diante de um dilema moral. O filme conquistou o Leão de Ouro em Veneza, em 2024.